quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

o improvável encontro entre cícero, balzac, baudelaire e poe

Fazia dias que a palavra me chamava mas não falava nada. Eu ligava o computador, abria um arquivo em branco, olhava as teclas do teclado e nada. Nem uma mísera palavra falava. Então, desligava tudo e voltava a ler os contos extraordinários do Poe. 

As notícias jornalísticas, geralmente inspiradoras de minha escrita, andavam tão enfadonhas que já não me instigavam a passar horas com elas. As crônicas cotidianas já me cansavam a beleza e não mereciam minha atenção. 

Naquele dia, contudo, eu voltava para casa depois de mais uma noite desventurosa, vinha sem ideia alguma, cambaleando de sono, quase sonhando... Ao passar por um boteco tipo pé de balcão vi com meus próprios olhos uma discussão calorosa entre três ilustres personas. 

Pareciam estrangeiros, ou melhor, eram estrangeiros. As roupas e a maneira de falar não mentiam. Estrangeiros no tempo e no espaço, soou-me como se eles tivessem entrando numa máquina do tempo. Eram eles Baudelaire, Balzac e Poe.

Estavam extasiados com os acontecimentos presenciados durante o dia. Embora aparentassem a satisfação de alguém que comprova uma hipótese, pareciam não acreditar no que seus olhos tinham visto. Estavam arrasados. 

Escondi-me atrás do balcão para ouvir a conversa. Balzac parecia que entrava em transe. "Caros, preciso de uma pena e papel, tenho muitas histórias para escrever sobre as ruas dessas metrópoles modernas. Quanta barbárie, imensas aglomerações, inúmeros automóveis que mais parecem aquelas naves futuristas que imaginávamos voariam entre os planetas!"

"Ora, Balzac, não alucine! Não avacalhe! Que metrópole moderna coisa nenhuma, isso é a própria Roma de Calígula! Uma balburdia!” Gritou da porta um sujeito que acabava de chegar. Era Cícero, o famoso romano. Vejam, as mulheres são insubmissas. Pior, dominaram completamente a vida social. As crianças se assemelham a bestas feras, não sabem nada de história, não sabem cultivar seus sentimentos, não têm habilidade para escrever seus pensamentos, não conseguem olhar além do próprio umbigo. Os próprios mestres não se ocupam com sua formação, apresentam ideias prontas e, a troco de um reles salário, reproduzem verdades enganadoras. Preferem horas de entretenimento às leituras e experimentação da vida. Até os mais ilustres personagens vivem presos às notícias imediatas veiculadas nisso que eles chamam de ‘mídia’. Terrível! Isso é a decadência! Oh! Pobre cultura ocidental!"

"Não exageres, ó antigo orador, as mulheres sempre foram o que são. Leias as minhas “Flores do mal”. Não há nenhuma novidade quanto à vileza feminina. Tu que eras muito romântico para tua época! Falas da educação, das mulheres, porém, não ouvi de tua boca uma só palavra acerca da política, desta república que por aí anda. O que tens a dizer agora, ó grande romano, em relação a isto aí que eles chamam de república? Ou esqueceste todas aquelas belas palavras com que glorificavas o governo romano?"

Nesse momento, Cícero respirou fundo, abanou a cabeça e pediu uma dose da pinga mais forte da casa. Calmamente, disse a Baudelaire: "Hoje, meu caro, os homens veementes preferem viver no ócio prazenteiro e na tranquilidade do que meter-se entre as ondas das tempestades públicas. Já não são como os homens de minha Roma. Hoje o grande amor à defesa da saúde comum não é força que triunfa sempre sobre o ócio e a voluptuosidade. Nem mesmo os sábios dessa época se importam em aplicar seus conhecimentos à coisa pública. Esqueceram-se que a pátria não os gerou nem educou sem esperança de recompensa de sua parte. Pensam que tal formação foi somente para sua comodidade, para procurar retiro pacífico para a sua negligência e lugar tranquilo para seu ócio. Esqueceram-se que a pátria os formou para aproveitar as mais numerosas e melhores faculdades de suas almas, de seu engenho, deixando somente o que a ela possa sobrar para seu uso privado. Monsieur Baudelaire, não tenho mais palavras a perder com essa gente. Calo-me".

Foi então que de um pulo Poe levantou-se da cadeira e disse: "Senhores, anotei aqui na minha cachola algumas ideias para um conto genial. Um conto de terror no futuro, pois espero voltar logo para minha querida época natal e morrer novamente bêbado e feliz nas ruas Baltimore. A história será mais ou menos assim: Naquele dia entrei numa máquina do tempo e fui parar numa cidade medonha do futuro. Era a própria visão do inferno, visão que piorava a medida que eu percebia a empolgação com que as pessoas da época julgavam tal mundo. Elas supunham ser a época mais feliz, mais rica, mais justa, elas acreditavam ter chegado ao ápice da igualdade, liberdade e fraternidade. Vi pessoas destruindo veículos coletivos, enterrando animais vivos, desprezando os mestres, cortando árvores e corrompendo crianças em nome de seus direitos. Vi pessoas degeneradas ocupadas em gozar, gozar, gozar, e conforme elas gozavam viravam uma espécie gosmenta de verme, um verme que maculava todo o planeta e eliminava qualquer possibilidade de regeneração da natureza terrestre. Percebendo a podridão em sua volta, tais vermes começaram a desenvolver técnicas de viagens e colonização interestelar. Queriam apodrecer o universo. Marte, porém, estava atento e acompanhava a movimentação de seres tão desprezíveis. Antes que pudessem partir de seu fétido planeta, o deus da guerra reuniu o restante dos guerreiros do panteão romano e partiu para cima deles..."

"Ah, pode parar com essa conversa, mister Poe, deixe-me contar essa história por um viés mais antropológico e sucinto", pediu Balzac. "Naquele dia fatídico vislumbrei os reflexos da decadência da cultura humana. Vi confirmado meu palpite acerca do fanatismo da individualidade e comprovei minha hipótese lançada em 1833, quando escrevia Ferragus: Quanto mais nossas leis tenderem a estabelecer uma igualdade impossível, tanto mais nossos costumes se afastarão delas. Sim, era uma época em que as pessoas, os vermes de Poe, se vangloriavam com o nível de igualdade que julgavam ter alcançado. Pobres criaturas, a ignorância das épocas passadas, a predominância do imediato, a tendência à padronização da experiência vivida não lhes permitia ver as diferenças. E eram tantas as diferenças, e cada uma delas tão certa de si mesma, que o desastre aconteceu. Quando menos se esper a v....."

Então presenciei uma cena surpreendente. A voz de Balzac começou a ficar longínqua, já não consiga entender direito o que ele falava. Olhei para os demais e vi que eles estavam ficando brancos, translúcidos e começavam a desaparecer. Quando olhei de novo para Balzac, não havia mais nada. As quatro personas tinham desaparecido do bar, literalmente tinham evaporado. 

Fiquei muito curioso para saber o resto da história, mas não tinha mais o que fazer ali. Voltei para casa, o sol já começa a raiar. Dormi profundamente por quase dez horas. Quando acordei, para meu grande espanto, encontrei caído ao pé da cama um bilhete escrito com a caligrafia de Balzac. Em letras garrafais, dizia: "O acaso é o maior romancista do mundo. Continue sua história".


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

deus

a vida é deus.
quanto ela tiver de morrer,
morrerá.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

escrito antigo

O TEMPO MOVIMENTA O VENTO MOVIMENTA O GALHO MOVIMENTA A FOLHA.

O SOL ILUMINA O DIA ILUMINA A VIDA ILUMINA A MORTE.

O FOGO QUEIMA A VELA QUEIMA O PAPEL QUEIMA.

O CHEIRO ACENDE A MEMÓRIA ACENDE A SAUDADE ACENDE A SOLIDÃO.

A PALAVRA REVELA O PENSAMENTO REVELA O SEGREDO REVELA O ERRADO.

O PRESENTE INTERPRETA A HISTÓRIA INTERPRETA O PASSADO.

O PASSADO É O PERFUME DE ALGUÉM QUE JÁ PASSOU.

190 anos em 17 linhas

Nas curvas da estrada de Santos,
Às margens de um tal Ipiranga
Foi que Pedro deu adeus ao sonho imperial.
Se fosse hoje, alguns mais nostálgicos diriam:
“Foi então que perdemos a chance
De nos tornarmos europeus.”
Outros mais entusiasmados gritariam:
“Um viva à independência do Brasil!”
Mas a maioria continuaria se perguntando:
“Que diferença fez?”

Os nostálgicos, cabisbaixos, responderiam:
“Foi assim que nos iniciamos no 3º mundo.”
E aqueles, estusiasmados, comentariam:
“Vamos nos tornar uma potência mundial, uma Metrópole, o paraíso agro-exportador.
O futuro nos espera.”
E a maioria, perplexa, concluiria:
Realmente, que diferença fez!”

quem ouve? quem houve?

quem ouve? quem houve?