quarta-feira, 19 de setembro de 2012

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

preparativos para as viagens historiográficas

Quando viajo de trem, gosto de observar a paisagem que vai passando. Ou seria melhor dizer que gosto de observar a paisagem que vai ficando, pois quem passa é o trem, sou eu, que ocupo um lugar em um de seus vagões, é o tempo. Tempo para observar a paisagem. Corre o trem, pairam os pensamentos. Conforme o trajeto é percorrido o ambiente muda e os elementos de minha observação se transformam: outros tipos de árvores, variados grupos de pássaros, rios de diversos tamanhos e profundidade, plantações, variação climática, do solo. Ao recepcionar com os meus sentidos toda essa diversidade do mundo que vai passando, percebo, também com os meus sentidos, que em mim algo se metamorfoseia e, assim como Teleco, o coelhinho de Murilo Rubião, encarno o mito grego de Proteu, com a diferença que de dentro do trem não posso prever o futuro. Nem mesmo consertar o passado.
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A viagem como metáfora para descrever o percurso de uma pesquisa é bastante apropriada, pois tanto a primeira quanto a segunda apresentam três variantes constantes: o tempo, a distância e a vivência. Quando uma pessoa faz uma viagem, ela percorre um determinado trajeto durante um determinado tempo. Isso também acontece com uma pesquisa. Para começar o trabalho, o pesquisador escolhe o local de onde dará início a sua viagem, ou seja, elabora a sua questão primordial, seleciona seu ponto de partida. Assim ele faz, porém, diferentemente do viajante, sem sequer imaginar onde e quando chegará ao seu destino. Conforme trilha os caminhos da pesquisa, o historiador presencia também a transformação que vai se operando nos elementos da paisagem.
No caso de uma investigação historiográfica, os elementos da paisagem são metáforas para as fontes históricas. Cada livro, cada filme, cada imagem, enfim, cada objeto cultural que chega às mãos do pesquisador e passa por sua leitura interage com ele, modifica-o e, além disso, torna-se mais um elemento que forma o percurso da pesquisa, mais um estímulo na composição de sua vivência. Em cada caminho, uma árvore, em cada fonte, uma referência ao passado. A imagem que o viajante vê da janela do trem é fugidia, assim também é provisória a verdade linguística a respeito do passado a que chega o historiador. Se a viagem é uma metáfora para a pesquisa e os elementos da paisagem para as fontes, o trem é uma metáfora para a vida. O viajante está onde está o trem, portanto, ele só pode ver aquilo que passa, a cada momento, por sua janela. Ele não vê mais o que passou nem vê ainda o que virá. No entanto, pode lembrar-se do que viu e imaginar o que chegará. Assim também ocorre com o historiador que, inserido em seu tempo presente, não pode decifrar o passado nem prever o futuro. Entretanto, pode se ocupar das memórias do que já foi e vislumbrar, com sua imaginação histórica, tanto um (passado) quanto outro (futuro).
O historiador está onde está a vida, do presente não pode escapar. Basta-lhe, por isso, escancarar sua janela para o instante e, inspirado e guiado por uma experiência artística de vida, elaborar uma descrição autêntica sobre o passado a partir de sua imaginação histórica. Porque a verdade da história, disse sabiamente o greco-moderno Johann Goethe, não passa de uma “verdade subjetiva”. Por criar o mundo de acordo com sua própria ideia, o historiador-artista poderá “[...] representá-lo perfeita e completamente”, não precisará se ocupar em “[...] construir o seu mundo de tal forma que caibam todos os fragmentos que a história nos transmitiu [...]”, pois tal narrativa objetiva não passará de um heróico esforço de pesquisa, compilação, emenda e cola de acontecimentos. (GOETHE apud WERNET, 1980: p. 148-9)

quem ouve? quem houve?

quem ouve? quem houve?